{"id":771,"date":"2023-04-12T20:54:40","date_gmt":"2023-04-12T23:54:40","guid":{"rendered":"https:\/\/contar.org.br\/?p=771"},"modified":"2023-05-05T12:37:14","modified_gmt":"2023-05-05T15:37:14","slug":"exploracao-do-trabalho-e-violacoes-a-rotina-das-mulheres-na-producao-de-frutas-para-exportacao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/contar.org.br\/en\/exploracao-do-trabalho-e-violacoes-a-rotina-das-mulheres-na-producao-de-frutas-para-exportacao\/","title":{"rendered":"Explora\u00e7\u00e3o do trabalho e viola\u00e7\u00f5es: a rotina das mulheres na produ\u00e7\u00e3o de frutas para exporta\u00e7\u00e3o<\/strong>"},"content":{"rendered":"

| Por Mariana Costa, com colabora\u00e7\u00e3o de Ma\u00edra Mathias, enviadas \u00e0 Bahia, Pernambuco, Cear\u00e1 e Rio Grande do Norte<\/p>\n\n\n\n

Associa\u00e7\u00e3o de exportadores enaltece \u201ccarinho\u201d das mulheres com as frutas, mas irregularidades e fun\u00e7\u00f5es exaustivas d\u00e3o o tom das vagas de trabalho femininas<\/em><\/strong><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Tudo parece \u00e1rido e inerte, at\u00e9 os primeiros brotos salpicarem com pontinhos verdes os galhos secos das parreiras. Em tr\u00eas meses, a paisagem j\u00e1 ter\u00e1 mudado: as plantas logo estar\u00e3o carregadas de folhas e uvas. <\/p>\n\n\n\n

As mudas crescem agarradas a uma estrutura de madeira e arames, formando extensos corredores. O ciclo come\u00e7a com a desbrota. Brotos inf\u00e9rteis se intercalam ao longo dos galhos e devem ser retirados, um a um, com as m\u00e3os. Assim, a seiva se concentra naqueles que v\u00e3o vingar e render frondosos cachos \u2013 alguns com at\u00e9 um quilo, dependendo da variedade. Conclu\u00edda a desbrota v\u00eam o livramento e o raleio. Os cachos devem ser soltos para que n\u00e3o se enrosquem e ganhem espa\u00e7o para crescer. Folhas que possam eventualmente encostar nas frutas e causar manchas devem ser retiradas. <\/p>\n\n\n\n

Tudo \u00e9 feito manualmente com ajuda de, no m\u00e1ximo, uma tesoura. Cada cacho recebe uma aten\u00e7\u00e3o individual, cuidadosa e delicada para que as uvas atinjam seu m\u00e1ximo dul\u00e7or e peso. Uma vez terminada a colheita, as parreiras s\u00e3o podadas. Dali a poucos dias, novos brotinhos surgir\u00e3o. E come\u00e7a tudo outra vez. <\/p>\n\n\n\n

\u201c\u00c9 assim, nunca acaba\u201d, brinca a aposentada Maria Doloroza dos Santos, de 70 anos. Um sentimento nost\u00e1lgico se instala enquanto ela caminha entre as parreiras. Foram dez anos de trabalho com as uvas em Maria Tereza, zona rural de Petrolina, em Pernambuco. <\/p>\n\n\n\n

Petrolina e Juazeiro, no Vale do S\u00e3o Francisco, s\u00e3o estrelas de um mercado em ascens\u00e3o: a fruticultura de exporta\u00e7\u00e3o. \u00c9 de l\u00e1 que saem grande parte das uvas e mangas que ser\u00e3o despachadas para supermercados mundo afora e para o Brasil.<\/p>\n\n\n\n

A presen\u00e7a de mulheres \u00e9 forte em culturas como a uva de mesa, que requerem habilidade e delicadeza no trato com as parreiras. Atividades como raleio, desbrota e livramento s\u00e3o feitas quase que exclusivamente por m\u00e3os femininas. <\/p>\n\n\n\n

Elas tamb\u00e9m s\u00e3o maioria nos packing houses<\/em>, setor onde uva, manga, mel\u00e3o, mam\u00e3o e melancia s\u00e3o embaladas e refrigeradas para atender aos altos padr\u00f5es dos mercados internacionais. <\/p>\n\n\n\n

Fundamental para um setor que vem se consolidando e conquistando espa\u00e7o cada vez maior no agroneg\u00f3cio exportador, o trabalho feminino na produ\u00e7\u00e3o de frutas \u00e9 repleto de contradi\u00e7\u00f5es entre discurso e pr\u00e1tica. <\/p>\n\n\n\n

\u00c9 o que mostramos na s\u00e9rie especial \u201cNo Rastro das Frutas de Exporta\u00e7\u00e3o\u201d<\/strong>. Percorremos os dois maiores polos de exporta\u00e7\u00e3o do Brasil: a regi\u00e3o do Vale do S\u00e3o Francisco, entre Pernambuco e Bahia, e cidades do Baixo Jaguaribe e da Chapada do Apodi, entre o Cear\u00e1 e o Rio Grande do Norte, de onde saem mel\u00f5es, mam\u00f5es, melancias e outras frutas enviadas ao exterior. <\/p>\n\n\n\n

Reorganiza\u00e7\u00e3o da vida <\/strong><\/p>\n\n\n\n

Donas de casa at\u00e9 ent\u00e3o acostumadas com o trabalho dom\u00e9stico, tamb\u00e9m eram respons\u00e1veis pela lida em pequenas ro\u00e7as de milho, feij\u00e3o e mandioca, pelo cultivo de hortali\u00e7as e pelo manejo de plantas medicinais e de abelhas. At\u00e9 que viram na fruticultura a oportunidade para entrar no mercado de trabalho e assim proporcionar uma vida melhor para suas fam\u00edlias. <\/p>\n\n\n\n

Doloroza foi uma dessas mulheres. Vivia em Salgueiro, cidade com pouco mais de 60 mil habitantes no sert\u00e3o pernambucano, a duzentos quil\u00f4metros de Petrolina. Sobrevivia lavando roupas para fora, costurando e cozinhando. Foi m\u00e3e solo dos cinco filhos. Aos 45 anos, sentiu que algo precisava mudar. \u201cQuando passei em Petrolina, vi tudo verd\u00e3o. Pensei: oxe, eu vou voltar pra c\u00e1, vou voltar pra esse lugar\u201d, lembra. \u201cE foi quando vim e fiquei. S\u00f3 voltei pra Salgueiro pra vender minha casa.\u201d <\/p>\n\n\n\n

Foram dez anos de trabalho como safrista, quando se \u00e9 contratado temporariamente apenas nos meses de colheita. <\/p>\n\n\n\n

Doloroza foi safrista nas ro\u00e7as de uva por dez anos: todos os cinco filhos trabalham com as frutas desde adolescentes. Com o ca\u00e7ula Ricardo, ela relembra dos tempos de trabalho com a uva. Uma parreira adorna a entrada da casa. Fotos: Raquel Torres e Mariana Costa<\/p>\n\n\n\n

A organiza\u00e7\u00e3o do trabalho na fruticultura se divide entre assalariados tempor\u00e1rios contratados por safra e aqueles que se tornam permanentes. As safristas ficam empregadas entre tr\u00eas e cinco meses por ano. No tempo restante, perdem a renda e passam a viver com a incerteza da convoca\u00e7\u00e3o para a pr\u00f3xima safra. <\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 ainda os diaristas, que atendem a pequenos e m\u00e9dios produtores que n\u00e3o conseguem atender aos altos padr\u00f5es de qualidade exigidos para exporta\u00e7\u00e3o. A presen\u00e7a das mulheres \u00e9 forte em todas essas modalidades de trabalho. <\/p>\n\n\n\n

Ao se tornarem prolet\u00e1rias rurais, ter\u00e3o de lidar com uma total reorganiza\u00e7\u00e3o da vida pessoal, familiar e dom\u00e9stica.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Mesmo com muitas dificuldades, Doloroza conseguiu construir sua pr\u00f3pria casa e criar sozinha os cinco filhos \u2013 todos trabalham com as frutas desde adolescentes. Uma parreira adorna o port\u00e3o de acesso da casa onde vive. \u201c\u00c9 pra lembrar dos tempos da uva\u201d, gaba-se a matriarca da fam\u00edlia. Ensinou os filhos, a nora e muitas outras mulheres a lidar com as uvas. H\u00e1 um sentimento de orgulho e gratid\u00e3o em seu relato. <\/p>\n\n\n\n

A moradia de tijolo aparente, dois quartos, sala e cozinha fora constru\u00edda, literalmente, por suas pr\u00f3prias m\u00e3os. No quintal que ladeia a resid\u00eancia, pilhas e pilhas meticulosamente organizadas e limpas com materiais recicl\u00e1veis que ela recolhe e vende para complementar a renda da aposentadoria. <\/p>\n\n\n\n

Antes de nos despedirmos, Doloroza nos convida a entrar em seu quarto. Aponta para uma cama de casal grande e confort\u00e1vel. Ri do nosso inevit\u00e1vel olhar de surpresa ao acionar um sistema de massagem que faz todo o colch\u00e3o tremer. Um pequeno grande luxo que destoa da simplicidade geral da casa. <\/p>\n\n\n\n

Novos modos de viver e trabalhar <\/strong><\/p>\n\n\n\n

A trajet\u00f3ria da fam\u00edlia de Doloroza resume uma nova morfologia do trabalho e dos modos de viver que trouxe profundos impactos na vida das mulheres, inclusive entre aquelas que n\u00e3o atuam diretamente na fruticultura.<\/p>\n\n\n\n

Ao longo dos \u00faltimos trinta anos, o avan\u00e7o da agricultura irrigada e a reorganiza\u00e7\u00e3o do capital em grandes empresas, muitas estrangeiras, provocaram um duplo processo de desterritorializa\u00e7\u00e3o e proletariza\u00e7\u00e3o de homens e mulheres do semi\u00e1rido. <\/strong>As origens e a consolida\u00e7\u00e3o dessa nova ordem produtiva remontam a uma ordena\u00e7\u00e3o territorial e institucional criada pelo Estado brasileiro. <\/p>\n\n\n\n

Sem acesso a terra e \u00e1gua, com dificuldades cada vez maiores para se manter na agricultura familiar, essas pessoas ficaram ref\u00e9ns de um setor que cresce com base no emprego de m\u00e3o de obra mal remunerada e migrante, concentra\u00e7\u00e3o de terra e \u00e1gua, e exaust\u00e3o dos recursos naturais. <\/p>\n\n\n\n

Essa realidade laboral atinge especialmente as mulheres, considerando a centralidade delas na organiza\u00e7\u00e3o familiar e dom\u00e9stica em um ambiente rural ainda marcado pelo machismo e por uma divis\u00e3o bastante desigual das tarefas. <\/p>\n\n\n\n

Isso se reflete no esfor\u00e7o e na expectativa para que os filhos estudem e tenham outras oportunidades fora da fruticultura. <\/p>\n\n\n\n

A pouca ou nenhuma mobilidade social e econ\u00f4mica entre gera\u00e7\u00f5es de uma mesma fam\u00edlia contrastam com a dimens\u00e3o da riqueza que vem sendo gerada no semi\u00e1rido, em mais um exemplo emblem\u00e1tico da l\u00f3gica de concentra\u00e7\u00e3o de riquezas e socializa\u00e7\u00e3o de perdas t\u00edpica do capitalismo \u00e0 brasileira.  <\/p>\n\n\n\n

Gender washing<\/em><\/strong><\/strong><\/p>\n\n\n\n

Criada em 2014, a Associa\u00e7\u00e3o Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), entidade que re\u00fane os principais exportadores de frutas brasileiras, vem tendo sucesso em unir e consolidar as demandas do setor. As exporta\u00e7\u00f5es de frutas no Brasil passaram a apresentar resultados crescentes em volume e faturamento, ano ap\u00f3s ano. <\/p>\n\n\n\n

Em meio \u00e0 pandemia e \u00e0 alta no pre\u00e7o dos alimentos em geral e das frutas em particular, os exportadores comemoraram dois anos seguidos de resultados recorde<\/a> em faturamento e volume durante o governo de Jair Bolsonaro. Com o real desvalorizado, produtores tiveram lucratividade maior nas vendas ao mercado externo. Houve tamb\u00e9m aumento na demanda por frutas durante a crise sanit\u00e1ria. <\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o \u00e9 por acaso que a presen\u00e7a da m\u00e3o de obra feminina \u00e9 constantemente enaltecida pelos exportadores de frutas. O destaque \u00e9 estrat\u00e9gico para um setor que atende mercados cujas sociedades conquistaram maior avan\u00e7o em termos de igualdade de g\u00eanero. Notadamente, redes de supermercados de Uni\u00e3o Europeia, Reino Unido e Estados Unidos, os  maiores compradores de frutas brasileiras. <\/p>\n\n\n\n

\u201cA fruticultura nos saboreia com uma novidade boa que \u00e9 as mulheres. As mulheres est\u00e3o nos ajudando bastante e em todos os setores. Desde a engenheira agr\u00f4noma, at\u00e9 a mulher que embala como ningu\u00e9m com carinho, com dedica\u00e7\u00e3o e jeito pra que possa chegar no exterior com qualidade<\/strong>\u201d, afirmou em entrevista<\/a>, Guilherme Coelho, presidente da Abrafrutas e propriet\u00e1rio de uma fazenda que exporta uvas no Vale do S\u00e3o Francisco. <\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 um esfor\u00e7o em criar a imagem de uma atividade que adota pr\u00e1ticas sustent\u00e1veis, gera milh\u00f5es de empregos e proporciona a inclus\u00e3o de mulheres no mercado de trabalho. \u201cNuma casa geralmente o homem est\u00e1 fazendo seu trabalho, seja no agro ou fora do agro, mas voc\u00ea tem outra oportunidade, outro sal\u00e1rio m\u00ednimo que \u00e9 da sua mulher. Faz uma fam\u00edlia ter uma renda mais robusta e qualidade de vida melhor, que \u00e9 o que n\u00f3s queremos\u201d, acrescentou Coelho.<\/p>\n\n\n\n

Nos cerca de dois mil quil\u00f4metros rodados e em dezenas de entrevistas realizadas ao longo de duas semanas de viagem, vimos uma realidade bastante distinta daquela descrita pelo presidente da Abrafrutas. Os relatos das mulheres que trabalham na fruticultura, incluindo funcion\u00e1rias de grandes empresas exportadoras, foram de preocupa\u00e7\u00e3o e dificuldades em arcar com as despesas b\u00e1sicas, como alimenta\u00e7\u00e3o e roupas para as crian\u00e7as. <\/p>\n\n\n\n

A grande maioria dos agricultores e agricultoras assalariados recebe um sal\u00e1rio m\u00ednimo e nada mais. Muitas dessas fam\u00edlias n\u00e3o consomem as frutas que produzem e est\u00e3o vivendo em algum n\u00edvel de inseguran\u00e7a alimentar.   <\/p>\n\n\n\n

Essa contradi\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m se faz evidente na compara\u00e7\u00e3o entre as condi\u00e7\u00f5es de vida e rendimentos das mulheres que produzem e das mulheres que consomem essas frutas. Abordamos essa disparidade no epis\u00f3dio especial do Prato Cheio \u201cNo Rastro das Frutas de Exporta\u00e7\u00e3o\u201d<\/a>. <\/p>\n\n\n\n

Entramos em contato com a Abrafrutas, mas n\u00e3o fomos atendidos. <\/p>\n\n\n\n

A uva de mesa tamb\u00e9m \u00e9 o cultivo que mais emprega mulheres no campo. Al\u00e9m de ser uma das principais frutas exportadas pelo Brasil, \u00e9 a cultura de maior valor agregado quando comparada \u00e0s demais cultivadas nas duas maiores regi\u00f5es produtoras do semi\u00e1rido: a produ\u00e7\u00e3o total somou R$ 1,8 bilh\u00e3o em 2021, segundo o dado mais recente da Produ\u00e7\u00e3o Agr\u00edcola Municipal, do IBGE. <\/p>\n\n\n\n

A Abrafrutas argumenta que elas s\u00e3o maioria entre os 5 milh\u00f5es de empregos supostamente gerados pelo setor. O problema \u00e9 que o n\u00famero n\u00e3o \u00e9 verdadeiro: usando dados da Embrapa, chegamos a 440 mil empregos em 2021, como expusemos em outra reportagem da s\u00e9rie. Dentre esses 440 mil, \u00e9 dif\u00edcil saber ao certo quantas mulheres s\u00e3o efetivamente empregadas: n\u00e3o h\u00e1 dados oficiais dispon\u00edveis setorizados para a fruticultura. <\/p>\n\n\n\n

Sub-representadas tamb\u00e9m no \u00e2mbito patronal<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Enaltecer o trabalho feminino na fruticultura tamb\u00e9m \u00e9 estrat\u00e9gico para os crescentes esfor\u00e7os em valorizar a presen\u00e7a das mulheres no agroneg\u00f3cio brasileiro, uma atividade ainda fortemente dominada por homens e atrelada a um certo ideal de masculinidade que hoje vem sendo colocado em xeque. <\/p>\n\n\n\n

E \u00e9 aqui que encontramos mais um aspecto controverso: as iniciativas que promovem mulheres, em geral, miram em propriet\u00e1rias e gestoras de grandes fazendas. Exemplo disso \u00e9 o Pr\u00eamio Mulheres do Agro<\/a>, patrocinado pela Bayer, e atualmente em sua quinta edi\u00e7\u00e3o.  <\/p>\n\n\n\n

Ainda assim, as mulheres seguem sub representadas mesmo no \u00e2mbito patronal e tamb\u00e9m nas entidades que representam os interesses do setor. Na fruticultura, s\u00e3o os homens que est\u00e3o \u00e0 frente das grandes empresas exportadoras. Ter mulheres no comando dessas fazendas poderia, numa perspectiva otimista, trazer um olhar mais sens\u00edvel para as particularidades do trabalho feminino. <\/p>\n\n\n\n

Rotina que come\u00e7a antes de o sol raiar<\/strong><\/p>\n\n\n\n

A integra\u00e7\u00e3o de fazendas exportadoras a mercados internacionais exigentes trouxe relativos avan\u00e7os para os trabalhadores, como o alto \u00edndice de formaliza\u00e7\u00e3o dos v\u00ednculos trabalhistas, a retirada de moradias nas instala\u00e7\u00f5es dessas empresas e regras mais rigorosas no manejo dos agrot\u00f3xicos \u2013 esta, uma atividade exclusivamente masculina. <\/p>\n\n\n\n

Filha de Doloroza, Elaine Maria dos Santos Oliveira come\u00e7ou a trabalhar aos 14 anos, em uma \u00e9poca em que era comum ter adolescentes na labuta nas ro\u00e7as. Aos 35, acumula quase duas d\u00e9cadas de trabalho com as frutas.\u201cA rotina \u00e9 acordar quatro, quatro e meia e fazer comida. Leva o menino nas casas das bab\u00e1s. Vai trabalhar, volta, pega menino\u201d, conta Elaine, descrevendo um cotidiano comum a tantas mulheres e m\u00e3es, mas especialmente pesado para aquelas que trabalham no campo, sob o sol forte do semi\u00e1rido. <\/p>\n\n\n\n

Filha de Doloroza, Elaine Maria dos Santos Oliveira come\u00e7ou a trabalhar aos 14 anos, em uma \u00e9poca em que era comum ter adolescentes na labuta nas ro\u00e7as. Hoje sonha em trabalhar com beleza e est\u00e9tica. Foto: Raquel Torres<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 preciso levar todas as refei\u00e7\u00f5es, desde o caf\u00e9 da manh\u00e3 at\u00e9 o lanche, inclusive o cafezinho para ajudar a despertar. As fazendas oferecem, na melhor das hip\u00f3teses, cesta b\u00e1sica. A pauta da alimenta\u00e7\u00e3o se repete, ano a ano, sem grandes avan\u00e7os, nas negocia\u00e7\u00f5es anuais entre sindicato e categoria. <\/p>\n\n\n\n

Essa rotina c\u00edclica e desgastante se repetiu nas entrevistas que fizemos com essas trabalhadoras ao longo de duas semanas de viagem. Ao retornar pra casa, come\u00e7a tudo outra vez: preparar o jantar e cuidar da casa. Para as que s\u00e3o m\u00e3es, \u00e9 o \u00fanico tempo que resta para os filhos. <\/p>\n\n\n\n

M\u00e3e de quatro adolescentes e crian\u00e7as, Elaine n\u00e3o teve direito \u00e0 licen\u00e7a-maternidade. \u201cSempre deixei com as bab\u00e1s, desde quando nasciam. Nunca teve esse neg\u00f3cio de passar quatro, seis meses at\u00e9 parar de mamar, n\u00e3o. Eu mesma tirava do peito e ia trabalhar<\/strong>. N\u00e3o tinha como porque quem trabalhava era s\u00f3 eu mesmo.\u201d <\/p>\n\n\n\n

Hoje o mais velho est\u00e1 com 15, e o ca\u00e7ula, com tr\u00eas anos. Embora prefira a ro\u00e7a, Elaine est\u00e1 concluindo cursos de beleza e est\u00e9tica, \u00e1rea em que sonha trabalhar. O mais novo frequentou as aulas a tiracolo. Enquanto o sonho n\u00e3o se realiza, segue trabalhando como diarista na uva. <\/p>\n\n\n\n

\u201cA estrutura da mulher n\u00e3o aguenta\u201d<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Elaine aguardava diagn\u00f3stico para problemas ginecol\u00f3gicos que tornaram dif\u00edcil seguir com o trabalho no campo. \u201cSegurar esse corpo em p\u00e9 de sete da manh\u00e3 at\u00e9 quatro horas da tarde n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil. N\u00e3o aguento mais\u201d, lamenta. <\/p>\n\n\n\n

Nenhuma empresa cujos trabalhadores entrevistamos oferece plano de sa\u00fade ou qualquer tipo de assist\u00eancia aos que adoecem. Isso nem sequer entra na pauta de negocia\u00e7\u00f5es anuais entre empresas e sindicatos, uma vez que \u00e9 preciso lidar com quest\u00f5es ainda mais elementares na vida desses trabalhadores e trabalhadoras. <\/p>\n\n\n\n

Todos v\u00e3o recorrer ao SUS para lidar com agravos causados, na grande maioria das vezes, pelo trabalho insalubre e por uma rotina que n\u00e3o permite descanso. Mesmo cidades ricas como Petrolina n\u00e3o disp\u00f5em de uma rede de sa\u00fade p\u00fablica que d\u00ea conta de atender \u00e0s necessidades dessa popula\u00e7\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n

Nora de Doloroza, Diana de Souza Lopes, de 42 anos, era dona de casa quando come\u00e7ou a trabalhar com as frutas. Aprendeu com a sogra a lidar com as uvas. Empatia, sororidade e amizade s\u00e3o caracter\u00edsticas presentes nas rela\u00e7\u00f5es de trabalho entre mulheres. \u201cA gente veio de l\u00e1 de Salgueiro. Minha primeira ficha foi em 2007. De l\u00e1 pra c\u00e1, n\u00e3o parei mais, n\u00e3o. Ela me levava junto pra ro\u00e7a e me ensinou. Gra\u00e7as a ela aprendi um mont\u00e3o de coisas\u201d, lembra. <\/p>\n\n\n\n

Diana trabalhava de carteira assinada no mesmo produtor havia nove anos. Quando a encontramos, em setembro de 2022, ela tinha acabado de fazer um acordo para ser demitida. O objetivo era usar o dinheiro para fazer uma histerectomia \u2013 cirurgia de retirada do \u00fatero. Ela aguardava para fazer o procedimento pelo SUS desde 2019. <\/p>\n\n\n\n

De l\u00e1 pra c\u00e1, os miomas cresceram, o \u00fatero aumentou tr\u00eas vezes de tamanho e os inc\u00f4modos se tornaram dif\u00edceis de suportar. \u201cVoc\u00ea v\u00ea, a gente est\u00e1 l\u00e1 no campo colhendo. Depois do campo, vai pro pack<\/em> embalar a uva. O dia todinho em p\u00e9. A gente n\u00e3o aguenta. A estrutura da mulher n\u00e3o vai aguentar.\u201d <\/p>\n\n\n\n

Empregada por um produtor considerado m\u00e9dio, teve sorte em conseguir chegar a um acordo. Muitas empresas \u2013 incluindo grandes exportadoras certificadas \u2013 obrigam o funcion\u00e1rio a se demitir quando adoece para n\u00e3o arcar com as verbas rescis\u00f3rias. O valor que recebeu na demiss\u00e3o acordada com o patr\u00e3o foi usado para fazer os exames pr\u00e9-operat\u00f3rios em cl\u00ednicas particulares, dada a demora em ter acesso a esses servi\u00e7os no SUS.<\/p>\n\n\n\n

Diana n\u00e3o conteve as l\u00e1grimas. Seu maior medo n\u00e3o \u00e9 a mesa de cirurgia, mas sim n\u00e3o poder retornar ao trabalho e com isso prejudicar a cria\u00e7\u00e3o dos filhos \u2013 uma mo\u00e7a de 21 anos, um rapaz de 18 e uma menina de 12. <\/p>\n\n\n\n

Nora de Doloroza, Diana de Souza Lopes fez um acordo para ser demitida ap\u00f3s nove anos de trabalho na mesma firma. Saiu para receber a rescis\u00e3o e poder cuidar da pr\u00f3pria sa\u00fade. Seu maior sonho \u00e9 ver os tr\u00eas filhos formados. Foto: Raquel Torres<\/p>\n\n\n\n

Era dela a \u00fanica renda regular da fam\u00edlia. Duas d\u00e9cadas de trabalho com uvas, mangas e goiabas renderam ao marido, Manuel Ricardo Santos Oliveira, uma h\u00e9rnia de disco e a aposentadoria precoce por invalidez, aos 37 anos. Assim como a irm\u00e3 Elaine, Manuel come\u00e7ou a trabalhar aos 15 anos. <\/p>\n\n\n\n

Ver os filhos formados \u00e9 seu maior sonho. Nenhum deles quer trabalhar na fruticultura. <\/p>\n\n\n\n

Punidas quando se tornam m\u00e3es <\/strong><\/p>\n\n\n\n

Enaltecidas pelo setor, as mulheres trabalhadoras tamb\u00e9m pagam um pre\u00e7o alto em sua vida pessoal e familiar. Pouco recebem em troca. Um exemplo dessa contradi\u00e7\u00e3o entre a imagem criada para a venda dessas frutas no exterior e a realidade concretamente colocada \u00e9 a aus\u00eancia de benef\u00edcios ou mesmo a viola\u00e7\u00e3o a direitos trabalhistas quando elas se tornam m\u00e3es. <\/p>\n\n\n\n

Foram v\u00e1rios relatos de trabalhadoras que sofreram retalia\u00e7\u00f5es por se ausentar para levar os filhos ao m\u00e9dico ou acompanh\u00e1-los em interna\u00e7\u00f5es. Ter crian\u00e7as pequenas em casa torna mais dif\u00edcil a perman\u00eancia neste mercado de trabalho. <\/p>\n\n\n\n

\u201cO trabalho da mulher na fruticultura \u00e9 algo muito desafiador. O homem n\u00e3o fica em casa cuidando da crian\u00e7a. Dificilmente vai acompanhar ao m\u00e9dico ou \u00e0 escola ver o que est\u00e1 acontecendo quando \u00e9 solicitado. Ent\u00e3o culturalmente isso recai sobre as mulheres. N\u00f3s precisamos avan\u00e7ar muito nessa quest\u00e3o\u201d, avalia Jos\u00e9 Manoel dos Santos, o Zezinho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Juazeiro (BA). <\/p>\n\n\n\n

Acompanhar filhos menores de idade em consultas ou interna\u00e7\u00f5es \u00e9 um direito garantido pela legisla\u00e7\u00e3o. Mas as faltas, mesmo que justificadas, s\u00e3o muito mal vistas pelas empresas. A exig\u00eancia \u00e9 produtividade m\u00e1xima. <\/p>\n\n\n\n

\u201cPra eles um atestado \u00e9 coisa do outro mundo, mas pra gente que precisa n\u00e3o \u00e9. Principalmente pra quem tem filho. Eles falavam \u2018vixi, de novo?\u2019 Sempre diziam, sabe? Atestado de novo?\u201d critica Joana*, de 36 anos, ex-funcion\u00e1ria de uma grande empresa produtora de frutas org\u00e2nicas para exporta\u00e7\u00e3o em Jaguaruana, no Cear\u00e1. <\/p>\n\n\n\n

Em uma das ocasi\u00f5es em que precisou se ausentar do trabalho, a filha sofreu uma queda e precisou colocar pinos nos bra\u00e7os. As consultas ao ortopedista em Russas, \u00fanica cidade onde conseguiu atendimento, tinham de ser acompanhadas pela m\u00e3e. \u201cEla sofreu um bocado. E eu tamb\u00e9m.\u201d <\/p>\n\n\n\n

Joana hoje voltou a ser dona de casa. Vem de uma fam\u00edlia de agricultores, cresceu ajudando o pai nas chamadas culturas de inverno (per\u00edodo chuvoso no sert\u00e3o): milho, feij\u00e3o, algod\u00e3o. Trabalhou tr\u00eas anos e meio nesta empresa, e saiu por vontade pr\u00f3pria, em outubro de 2021. Os filhos t\u00eam entre 17 e 10 anos. <\/p>\n\n\n\n

O marido e a filha de Joana ainda trabalham l\u00e1 \u2013 por este motivo n\u00e3o a identificamos com seu verdadeiro nome.  <\/p>\n\n\n\n

\u201cH\u00e1 muitos relatos de mulheres que sinalizam isso: \u00e9 muito bom trabalhar, mas se tivesse acesso a terra e \u00e1gua n\u00e3o estariam ali. \u00c9 o dilema em que s\u00e3o colocadas. Ficam ref\u00e9ns desse modelo\u201d, concluiu o pesquisador Diego Irineu de Fran\u00e7a. Foto: Raquel Torres<\/p>\n\n\n\n

Como a grande maioria, a necessidade de trabalhar fora apareceu ap\u00f3s a maternidade. Um caminho para proporcionar uma vida melhor para os filhos. Mas o pre\u00e7o pago foi alto. \u201cEu sa\u00eda pra Cacimba Funda pra trabalhar e deixava eles com minha m\u00e3e. Dormia na sogra porque a dist\u00e2ncia era muita. Sa\u00eda na segunda de madrugada e chegava no s\u00e1bado ao meio-dia, \u00e0s vezes tr\u00eas horas da tarde. Minha menina tinha quatro anos\u201d, lembra Joana. \u201cS\u00f3 via no final de semana. E era uma coisa r\u00e1pida.<\/strong> Voc\u00eas sabem, n\u00e9? O s\u00e1bado passa r\u00e1pido, o domingo mais ligeiro ainda. Passava um dia e meio com eles.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Conseguir trabalhar na mesma cidade onde vive amenizou o afastamento dos filhos, mas ela seguia dependendo da m\u00e3e. \u201cA empresa \u00e9 boa, mas a minha m\u00e3e j\u00e1 estava com eles desde quando eu trabalhava em Cacimba Funda. Tinha que dar uma folguinha tamb\u00e9m pra ela. Menino pequeno d\u00e1 trabalho. E eu queria vivenciar meus filhos\u201d, conta Joana.<\/p>\n\n\n\n

Hoje se ressente de n\u00e3o trabalhar mais. Sente falta do conv\u00edvio com as colegas e da renda garantida, ainda que insuficiente para arcar com todas as despesas. N\u00e3o consegue mais fazer uma di\u00e1ria com as frutas porque n\u00e3o tem carro ou moto. A grande maioria das cidades rurais que produzem frutas entre o Cear\u00e1 e o Rio Grande do Norte n\u00e3o disp\u00f5e de transporte p\u00fablico. Os trabalhadores t\u00eam que arcar com seus deslocamentos at\u00e9 as fazendas, j\u00e1 que as empresas tamb\u00e9m n\u00e3o oferecem transporte.<\/p>\n\n\n\n

\u201cSe tivessem acesso a terra e \u00e1gua n\u00e3o estariam ali\u201d<\/strong><\/p>\n\n\n\n

A restri\u00e7\u00e3o de \u00e1gua e terra para a maior parte dos trabalhadores n\u00e3o deixa outra alternativa se n\u00e3o se submeter a qualquer tipo de atividade. Foi uma das conclus\u00f5es do ge\u00f3grafo e pesquisador Diego Pessoa Irineu de Fran\u00e7a, autor de uma tese<\/a> de doutorado sobre o tema. <\/p>\n\n\n\n

Em sua pesquisa, rodou por v\u00e1rios per\u00edmetros irrigados entre Juazeiro e Petrolina. Queria entender como era a realidade das pessoas que vivem dessa produ\u00e7\u00e3o, para al\u00e9m dos dados macroecon\u00f4micos.<\/p>\n\n\n\n

\u201cH\u00e1 muitos relatos de mulheres que sinalizam isso: \u00e9 muito bom trabalhar, mas se tivesse acesso a terra e \u00e1gua n\u00e3o estariam ali. \u00c9 o dilema em que as pessoas s\u00e3o colocadas. Ficam ref\u00e9ns desse modelo\u201d, conclui. \u201cApesar das condi\u00e7\u00f5es dif\u00edceis, Petrolina admira a grande produ\u00e7\u00e3o, a fruticultura e a exporta\u00e7\u00e3o. H\u00e1 essa dimens\u00e3o subjetiva: gente que sofre, mas enaltece o modelo como vi\u00e1vel. Mesmo nas \u00e1reas de assentamentos rurais\u201d, observa. <\/p>\n\n\n\n

A presen\u00e7a das mulheres tamb\u00e9m \u00e9 forte entre os diaristas, os menos protegidos em uma realidade de trabalho que \u00e9 dura para todos. Enquanto aguardam serem chamadas para alguma ro\u00e7a de frutas, debulham feij\u00e3o para passar o tempo. Cada bacia vale R$ 6. Fotos: Raquel Torres<\/p>\n\n\n\n

Mulheres protagonizam resist\u00eancia em Apodi<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Hoje o capital fruticultor mira uma regi\u00e3o de maior disponibilidade h\u00eddrica: o lado potiguar da Chapada do Apodi. A recente conquista da abertura do mercado chin\u00eas para o mel\u00e3o brasileiro, em 2020, aumenta a press\u00e3o sobre territ\u00f3rios ainda n\u00e3o explorados pelas grandes exportadoras. H\u00e1 a expectativa de que a atual produ\u00e7\u00e3o dobre para dar conta da demanda da China. O mel\u00e3o \u00e9 uma fruta que consome grande quantidade de \u00e1gua. Um quilo usa, em m\u00e9dia, 196 litros. <\/p>\n\n\n\n

Nessa regi\u00e3o, a retomada do per\u00edmetro irrigado Santa Cruz do Apodi, conhecido como Projeto da Morte, enfrenta forte resist\u00eancia de comunidades camponesas com tradi\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas e socioecon\u00f4micas pr\u00f3prias, ligadas \u00e0 produ\u00e7\u00e3o agroecol\u00f3gica e familiar. H\u00e1 dez anos Apodi luta contra a chegada das grandes empresas produtoras de frutas. <\/p>\n\n\n\n

\u201cO primeiro impacto, que para mim foi muito marcante, foi ver casas de prostitui\u00e7\u00e3o pr\u00f3ximas a essas empresas, em zona rural. A maioria dos trabalhadores dessas fazendas de mel\u00e3o s\u00e3o homens, n\u00e3o se contrata mulher. Outra coisa que observamos \u00e9 o fluxo de drogas. Muitas vezes para aguentar o ritmo de trabalho\u201d, relata o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi, Francisco Agnaldo de Oliveira Fernandes. Houve tamb\u00e9m incid\u00eancia maior de gravidez entre meninas e mulheres nessas comunidades. <\/p>\n\n\n\n

\u201cComo m\u00e3e, eu penso logo nos meus filhos. Vamos para onde? Eu vou oferecer o qu\u00ea?\u201d, questiona Antonia Gilvana Mota Sousa, uma das lideran\u00e7as que luta contra a retomada do per\u00edmetro irrigado Santa Cruz do Apodi, conhecido como Projeto da Morte. Foto: Raquel Torres<\/p>\n\n\n\n

Secret\u00e1ria do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi, Antonia Gilvana Mota Sousa, de 42 anos, era uma das lideran\u00e7as presentes em um semin\u00e1rio que aconteceu em setembro de 2022. Centenas de agricultores se reuniram ao longo de tr\u00eas dias para discutir o impacto da fruticultura de exporta\u00e7\u00e3o. \u201cComo m\u00e3e, eu penso logo nos meus filhos. Vamos para onde? Eu vou oferecer o qu\u00ea? Aqui eu tenho o meu quintal. Eu tenho a minha produ\u00e7\u00e3o, tem o bode, tem a galinha, eu tenho o ovo, eu tenho a fruta para fazer o suco. Saindo daqui vou dar o qu\u00ea pra eles comerem?\u201d<\/p>\n\n\n\n

Com mais de vinte anos de atua\u00e7\u00e3o sindical, Gilvana participou ativamente da forma\u00e7\u00e3o de base entre jovens, entre as quais muitas mulheres. Ela cita exemplos fortes de protagonismo feminino que testemunhou, fruto do trabalho de conscientiza\u00e7\u00e3o feito diretamente com as agricultoras. <\/p>\n\n\n\n

No mais marcante, ela conta das mais de duas mil cartas escritas \u00e0 m\u00e3o por mulheres e postadas para a ent\u00e3o presidenta Dilma Rousseff em 2011, meses ap\u00f3s a publica\u00e7\u00e3o do decreto que desapropriou uma \u00e1rea de mais de 13 mil hectares onde viviam cerca de 150 fam\u00edlias de pequenos agricultores. \u201cCada mulher na sua comunidade fez o trabalho de formiguinha escrevendo. Mandamos pelos correios e fomos respondidas. E ela [Dilma] falou que estava do lado da vida e que estava orgulhosa por ter sido um trabalho realizado por mulheres. O nome dado foi \u2018Somos todas Apodi\u2019\u201d, relembra. <\/p>\n\n\n\n

\u201cChego a me arrepiar porque foi um momento de muita jun\u00e7\u00e3o, sabe? Muito agrupamento, muita coragem. Foi um per\u00edodo bem cr\u00edtico que as comunidades enfrentaram\u201d, conta Gilvana. <\/p>\n\n\n\n

Mas o apoio expresso na resposta \u00e0s mulheres de Apodi ficou apenas no campo simb\u00f3lico: as obras para a constru\u00e7\u00e3o do per\u00edmetro irrigado se iniciaram em 2013.  E foram paralisadas dois anos depois com apenas 24% da estrutura do per\u00edmetro irrigado conclu\u00edda. <\/p>\n\n\n\n

Atendendo ao apetite do capital fruticultor, em 2022, Santa Cruz de Apodi foi inclu\u00eddo no PPI, o Programa de Parcerias de Investimento do governo federal. <\/p>\n\n\n\n

O setor est\u00e1 otimista quanto aos aumento da produ\u00e7\u00e3o e dos resultados das exporta\u00e7\u00f5es nos pr\u00f3ximos anos. Ainda na fase de transi\u00e7\u00e3o, a Abrafrutas e a Rede Nacional de Irrigantes, outra importante entidade que representa o setor, estiveram com o vice-presidente Geraldo Alckmin e puderam apresentar suas pautas: aumento das \u00e1reas irrigadas e a abertura de novos mercados. <\/p>\n\n\n\n

Conciliar interesses e poderes t\u00e3o distintos d\u00e1 uma ideia do tamanho do desafio que o governo Lula enfrentar\u00e1 nos pr\u00f3ximos anos. <\/p>\n\n\n

\"\"<\/figure>\n\n\n

*a s\u00e9rie especial sobre fruticultura de exporta\u00e7\u00e3o teve o apoio da Oxfam Brasil<\/em><\/p>\n\n\n\n

FOTO – RAQUEL TORRES<\/p>\n\n\n\n

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Explora\u00e7\u00e3o do trabalho e viola\u00e7\u00f5es: a rotina das mulheres na produ\u00e7\u00e3o de frutas para exporta\u00e7\u00e3o<\/a><\/blockquote>