{"id":406,"date":"2022-08-30T15:19:00","date_gmt":"2022-08-30T18:19:00","guid":{"rendered":"http:\/\/contarnovo1.hospedagemdesites.ws\/?p=406"},"modified":"2023-05-05T13:21:54","modified_gmt":"2023-05-05T16:21:54","slug":"trabalho-escravo-e-morte","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/contar.org.br\/es\/trabalho-escravo-e-morte\/","title":{"rendered":"TRABALHO ESCRAVO E MORTE"},"content":{"rendered":"
\u00danico provedor da casa, Andr\u00e9* se sentiu obrigado a deixar sua esposa e duas filhas na cidade em que viviam, no interior do Maranh\u00e3o, e aceitar um emprego plantando cana-de-a\u00e7\u00facar a mais de 2.500 km dali. Ele ouviu do encarregado pelas contrata\u00e7\u00f5es que trabalharia por tr\u00eas meses em fazendas em Minas Gerais e que n\u00e3o precisaria arcar com passagem, hospedagem e alimenta\u00e7\u00e3o. O que ele n\u00e3o sabia \u00e9 que esse seria seu atestado de \u00f3bito. \u00danico provedor da casa, Andr\u00e9* se sentiu obrigado a deixar sua esposa e duas filhas na cidade em que viviam, no interior do Maranh\u00e3o, e aceitar um emprego plantando cana-de-a\u00e7\u00facar a mais de 2.500 km dali. Ele ouviu do encarregado pelas contrata\u00e7\u00f5es que trabalharia por tr\u00eas meses em fazendas em Minas Gerais e que n\u00e3o… Leer m\u00e1s »TRABALHO ESCRAVO E MORTE<\/span><\/a><\/p>","protected":false},"author":4,"featured_media":407,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"neve_meta_sidebar":"","neve_meta_container":"","neve_meta_enable_content_width":"","neve_meta_content_width":0,"neve_meta_title_alignment":"","neve_meta_author_avatar":"","neve_post_elements_order":"","neve_meta_disable_header":"","neve_meta_disable_footer":"","neve_meta_disable_title":"","neve_meta_reading_time":"","footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-406","post","type-post","status-publish","format-standard","has-post-thumbnail","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/406","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/users\/4"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=406"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/406\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/media\/407"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=406"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=406"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/contar.org.br\/es\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=406"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}
Andr\u00e9 e outras 18 homens foram submetidos a trabalhar em condi\u00e7\u00f5es an\u00e1logas \u00e0 escravid\u00e3o em fazendas arrendadas pela Usina Coruripe \u2013 gigante do setor sucroalcooleiro e fornecedora de a\u00e7\u00facar para as multinacionais Coca-Cola e Louis Dreyfus Company (LDC) e etanol para os postos Ipiranga. A estrutura era t\u00e3o prec\u00e1ria que n\u00e3o havia botas para os trabalhadores. Andr\u00e9 machucou o p\u00e9 ao usar um par que havia achado no lixo e, sem conseguir tratamento, acabou morrendo por choque s\u00e9ptico causado pela infec\u00e7\u00e3o.
O trabalhador rural morreu em 4 de abril, a caminho de um hospital em S\u00e3o Lu\u00eds (MA), duas semanas ap\u00f3s sua esposa ter lhe enviado dinheiro para voltar ao seu estado natal para tratar o ferimento. \u201cAt\u00e9 hoje eu n\u00e3o consigo acreditar. Parece que ele est\u00e1 por a\u00ed, viajando. Foi muito r\u00e1pido, muito r\u00e1pido\u201d, conta, emocionada, a vi\u00fava, que preferiu n\u00e3o ser identificada. Ela diz que, mesmo sabendo da morte do trabalhador, os respons\u00e1veis pela contrata\u00e7\u00e3o de seu marido n\u00e3o arcaram com os custos funer\u00e1rios, nem entraram em contato com a fam\u00edlia.
A Coruripe e produtores rurais respons\u00e1veis pelas planta\u00e7\u00f5es nas fazendas arrendadas para a usina foram autuados por trabalho an\u00e1logo \u00e0 escravid\u00e3o e tr\u00e1fico de pessoas. Eles foram questionados pela Rep\u00f3rter Brasil sobre o caso, mas n\u00e3o responderam se ir\u00e3o prestar alguma assist\u00eancia \u00e0 fam\u00edlia. Nesta ter\u00e7a-feira, 23 de agosto, est\u00e1 marcada uma audi\u00eancia de concilia\u00e7\u00e3o entre a empresa e os representantes da fam\u00edlia.
\u201cEsses trabalhadores v\u00eam de uma situa\u00e7\u00e3o de mis\u00e9ria, para tentar uma remunera\u00e7\u00e3o mais digna e acabam se sujeitando [a essas condi\u00e7\u00f5es]. Mas isso n\u00e3o \u00e9 volunt\u00e1rio. \u00c9 um modo de organiza\u00e7\u00e3o do trabalho que faz com que eles se submetam a essa condi\u00e7\u00e3o\u201d, afirma o auditor-fiscal do trabalho Humberto Camasmie, que coordenou a opera\u00e7\u00e3o de fiscaliza\u00e7\u00e3o nas duas fazendas.
Falsas promessas<\/strong>
De acordo com relat\u00f3rios de fiscaliza\u00e7\u00e3o do Minist\u00e9rio do Trabalho e Previd\u00eancia, aos quais a Rep\u00f3rter Brasil teve acesso, a saga dos trabalhadores come\u00e7ou em 18 de fevereiro, quando sa\u00edram do Maranh\u00e3o, sob falsas promessas. A primeira a ser quebrada foi em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 passagem e alimenta\u00e7\u00e3o, j\u00e1 que eles tiveram de pagar todos os custos da viagem de 3 dias.
Ao chegarem aos alojamentos, perceberam que estavam em uma enrrascada. Um deles ficava em Igarapava (SP), a 150 km das fazendas, localizadas nas cidades de Ver\u00edssimo e Campo Florido (MG). Os dormit\u00f3rios eram extremamente prec\u00e1rios, colocando em risco a sa\u00fade e a seguran\u00e7a dos trabalhadores. Evaldo*, que abandonou o trabalho antes da fiscaliza\u00e7\u00e3o, conta que ele e seu cunhado Andr\u00e9 ficaram um m\u00eas dormindo no ch\u00e3o at\u00e9 encontrarem um colch\u00e3o no lixo.
Os trabalhadores contaram \u00e0 reportagem que ganhavam entre R$ 30 e R$ 40 por hectare plantado \u2013 valor insuficiente para sobreviver. \u201cA gente comia ovo, salsicha, o mais barato que tinha. N\u00e3o dava pra comprar carne, essas coisas mais caras\u201d, conta Evaldo. Segundo os relat\u00f3rios, os custos com equipamentos de seguran\u00e7a, ferramentas, aluguel, \u00e1gua, luz e refei\u00e7\u00f5es tamb\u00e9m foram pagos pelos trabalhadores, diferentemente do prometido.
A jornada de trabalho era desgastante. Os trabalhadores precisavam pegar os \u00f4nibus fretados \u00e0s 6h \u2013 e voltavam para o alojamento somente \u00e0s 19h, quando n\u00e3o dava mais para enxergar a planta\u00e7\u00e3o. Como ganhavam pelo rendimento, quase n\u00e3o tinham descanso. \u201cS\u00f3 par\u00e1vamos para almo\u00e7ar quando a gente j\u00e1 estava morrendo de fome\u201d, afirma Roberto*, amigo de Evaldo. A rotina cansativa era estimulada pelos aliciadores. Segundo o Minist\u00e9rio do Trabalho, eles ganhavam 30% sobre a produ\u00e7\u00e3o de cada trabalhador.
Entre abril e maio, os administradores das propriedades assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Minist\u00e9rio P\u00fablico do Trabalho (MPT), comprometendo-se a quitar as verbas rescis\u00f3rias, ressarcir os gastos com transporte, al\u00e9m de cumprir as normas trabalhistas e de adequa\u00e7\u00e3o de alojamentos. Ao todo, as duas fazendas ter\u00e3o que pagar cerca de R$ 400 mil em danos morais e coletivos.
Opera\u00e7\u00f5es suspensas<\/strong>
Com cinco unidades distribu\u00eddas por Alagoas e Minas Gerais, a Usina Coruripe est\u00e1 na 58\u00ba posi\u00e7\u00e3o do ranking Forbes Agro 100, que lista as maiores empresas do agroneg\u00f3cio brasileiro. Em seu site, a empresa afirma que h\u00e1 mais de 20 anos fornece a\u00e7\u00facar cristal para a Coca-Cola Brasil.
Outra gigante que mant\u00e9m rela\u00e7\u00f5es comerciais com a Coruripe \u00e9 a Ipiranga, uma das maiores redes de distribui\u00e7\u00e3o de combust\u00edveis do Brasil. Contratos celebrados entre as duas empresas para a venda de etanol, com vencimentos em 2022 e 2023, somam mais de R$ 100 milh\u00f5es.
A usina tamb\u00e9m tem investido no mercado internacional, sendo os Estados Unidos o principal destino das exporta\u00e7\u00f5es. Nos \u00faltimos dois anos, a empresa vendeu mais de 25 mil toneladas para o ASR Group, companhia estadunidense do setor de cana-de-a\u00e7\u00facar. O segundo maior comprador no per\u00edodo foi a companhia francesa Louis Dreyfus Company (LDC), que adquiriu 12 mil toneladas de a\u00e7\u00facar da Coruripe.
Questionada pela Rep\u00f3rter Brasil sobre as a\u00e7\u00f5es a serem tomadas ap\u00f3s o caso de trabalho escravo envolvendo fornecedores exclusivos, a Coruripe disse que \u201cest\u00e1 tomando as medidas cab\u00edveis\u201d, mas n\u00e3o quis detalhar as provid\u00eancias adotadas. A usina ressaltou que \u201crepudia todas as pr\u00e1ticas que, direta ou indiretamente, desrespeitem qualquer direito dos trabalhadores\u201d e que \u201cna hist\u00f3ria de quase 100 anos, [\u2026] nunca houve uma situa\u00e7\u00e3o como a relatada\u201d. (Leia a nota na \u00edntegra).
Todo o custo da alimenta\u00e7\u00e3o ficava por conta dos trabalhadores, que ganhavam entre R$ 30 e R$ 40 por hectare plantado. \u201cA gente comia ovo, salsicha, o mais barato que tinha. N\u00e3o dava pra comprar carne, essas coisas mais caras\u201d, contou um dos resgatados (Foto: Minist\u00e9rio do Trabalho e Previd\u00eancia)
A Coca-Cola afirmou que exige dos seus fornecedores a ado\u00e7\u00e3o de \u201cpr\u00e1ticas respons\u00e1veis no local de trabalho\u201d, em linha com sua pol\u00edtica de direitos humanos, seus princ\u00edpios de conduta para o fornecedor. A multinacional, no entanto, n\u00e3o respondeu sobre quais a\u00e7\u00f5es ser\u00e3o tomadas sobre o caso Coruripe e nem quais unidades da produtora de a\u00e7\u00facar abastecem a empresa.
A Ipiranga, ap\u00f3s o contato da Rep\u00f3rter Brasil, suspendeu as opera\u00e7\u00f5es com a Usina Coruripe \u201cat\u00e9 que os fatos sejam esclarecidos\u201d. A rede afirmou que \u00e9 comprometida com a promo\u00e7\u00e3o dos direitos humanos, que \u00e9 signat\u00e1ria do pacto contra o trabalho escravo e que repudia que \u201ctoda e qualquer forma de explora\u00e7\u00e3o de trabalho\u201d.
A LDC disse que \u201cleva as quest\u00f5es de sustentabilidade muito a s\u00e9rio, sempre com o objetivo de operar com os mais altos padr\u00f5es poss\u00edveis e esperando padr\u00f5es semelhantes dos fornecedores\u201d. A multinacional francesa afirmou que tem como padr\u00e3o contatar os fornecedores e solicitar respostas sobre alega\u00e7\u00f5es de viola\u00e7\u00f5es aos direitos humanos repassadas \u00e0 companhia, \u201ctrabalhando com eles sempre que poss\u00edvel para garantir repara\u00e7\u00e3o e, em casos de descumprimento cont\u00ednuo, tomando decis\u00f5es para remov\u00ea-los de listas de fornecedores aprovados\u201d.
Por email, a ASR afirmou que, ap\u00f3s os questionamentos da Rep\u00f3rter Brasil, contatou a Usina Coruripe, que disse ter recebido as alega\u00e7\u00f5es de trabalho escravo meses atr\u00e1s e que, desde ent\u00e3o, cancelou os contratos com os fornecedores. \u00c0 ASR Sugar, a Coruripe afirmou ainda ter criado uma \u00e1rea espec\u00edfica para analisar a conformidade trabalhista dos seus fornecedores de cana-de-a\u00e7\u00facar independentes. A empresa americana afirmou ainda ser abastecida exclusivamente pela unidade da Usina Coruripe em Alagoas. (Leia aqui as respostas na \u00edntegra de todas as empresas).
\u2018Utiliza\u00e7\u00e3o ardilosa\u2019<\/strong>
De acordo com integrantes da for\u00e7a-tarefa, a Usina Coruripe \u00e9 a arrendat\u00e1ria da terra onde as mudas de cana foram plantadas. Contudo, ao inv\u00e9s da pr\u00f3pria companhia produzir na \u00e1rea arrendada, opta por fazer dois contratos: um de transfer\u00eancia de responsabilidade de plantio \u2013 que permite que outro produtor rural produza cana-de-a\u00e7\u00facar no local \u2013 e outro de exclusividade de compra e venda com esse produtor. \u201c\u00c9 uma tentativa de desvincular a responsabilidade\u201d, explica o auditor-fiscal Camasmie.
\u201cO que se verificou n\u00e3o foi uma terceiriza\u00e7\u00e3o no processo produtivo da empresa e, sim, a utiliza\u00e7\u00e3o ardilosa do contrato de parceria rural\u201d, afirma o auditor-fiscal Luis Fernando Duque de Sousa no relat\u00f3rio.
A Usina afirmou que foi \u201cequivocadamente autuada\u201d, fato que, segundo a empresa, j\u00e1 foi esclarecido ao Minist\u00e9rio P\u00fablico do Trabalho. \u201cDiante disso, na ocasi\u00e3o da auditoria fiscal, foi formalizado acordo entre o MTE [Minist\u00e9rio do Trabalho e Previd\u00eancia], MPT e os fornecedores de cana-de-a\u00e7\u00facar, que se responsabilizaram pelos atos praticados. Nesse pacto, em hip\u00f3tese alguma, foi atribu\u00edda \u00e0 Usina Coruripe qualquer obriga\u00e7\u00e3o de arcar com as consequ\u00eancias do mencionado comportamento, nem mesmo na condi\u00e7\u00e3o de respons\u00e1vel subsidi\u00e1rio\u201d.
Apesar da afirma\u00e7\u00e3o da Usina, o Minist\u00e9rio do Trabalho autuou a empresa por consider\u00e1-la respons\u00e1vel pelos trabalhadores. Caso seja condenada administrativamente em duas inst\u00e2ncias, a empresa entrar\u00e1 para a lista suja do trabalho escravo. O cultivo de cana-de-a\u00e7\u00facar estava, em 2021, entre as cinco atividades rurais com os maiores n\u00fameros de trabalhadores resgatados, segundo um levantamento do Minist\u00e9rio do Trabalho e Previd\u00eancia divulgado no in\u00edcio do ano.
*nome fict\u00edcio<\/strong><\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"