Dois trabalhadores rurais morreram e outros 16 ficaram feridos em um acidente ocorrido em 18 de janeiro envolvendo um trator de carroça dentro da Usina União, empresa produtora de cana-de-açúcar ligada à marca União, no interior de Pernambuco.
O trator transportava agrotóxicos, equipamentos de aplicação e pessoas de forma irregular e em desacordo com as normas trabalhistas, segundo o presidente do Sindicato dos Assalariados Rurais de Escada-PE, Genival Santos, que esteve no local do acidente diversas vezes, inclusive no último sábado (22).
“Esse transporte na carroça não é legal, nós não concordamos com isso. Fazemos fiscalizações constantes, mas é muita coisa que acontece na usina. Os ônibus também são fiscalizados, mas a empresa burla as regras”, disse Santos. Durante a visita, o sindicalista flagrou um ônibus dentro da empresa transportando trabalhadores com todas as ferramentas dentro do veículo – o que não é permitido pelas normas trabalhistas por questões de segurança. Foi visto ainda um trabalhador, montado a cavalo transportando galões de agrotóxicos, o que também não está em conformidade com a legislação.
O transporte irregular é uma constante na usina, segundo trabalhadores ouvidos pela Repórter Brasil. “Aquele carro não era adequado para aqueles meninos, além disso eles ficavam ao lado das bombas”, desabafa, chorando, Maria das Graças Silva, esposa de José Ricardo Soares, 32 anos, que ficou em estado grave no hospital. Ela se refere aos equipamentos de aplicação de agrotóxicos (bombas), que também deveriam ser transportados de maneira separada dos trabalhadores, por questões de segurança – e saúde.
O acidente aconteceu em uma via interna da fazenda, sem qualquer manutenção – o que também não é permitido pelas normas trabalhistas, que exigem que “as laterais das vias de acesso e de circulação internos do estabelecimento devem ser protegidas com barreiras que impeçam a queda de veículos”. O trator caiu de uma ribanceira de mais de 30 metros de altura.
As plantações de cana na usina União ficam em uma região de serra (denominada Mata Sul), e as estradas foram abertas para acesso às áreas altas com grandes declives. Nas vias, a empresa colocou sacos de areia para evitar erosões – o que não se mostrou suficiente para garantir a segurança dos trabalhadores.
Em nota, a empresa disse que “as chuvas torrenciais contribuíram para danos às estradas vicinais de várias empresas da Mata Sul, o que favoreceu este acidente”. A empresa disse ainda que prestou os primeiros socorros e informou que “dará total apoio às famílias enlutadas e às vítimas sobreviventes”. Segundo a direção da empresa, os 44 veículos que transportam os canavieiros estão regulares.
Ajuda de R$ 100
O superintendente agrícola da Usina, Douglas Costa afirmou que ofereceu, em caráter emergencial, R$ 100 reais para ajuda de transporte de alguns familiares de vítimas e que estaria prestando assistência a todos. O representante da empresa disse ainda que foi à casa dos familiares das vítimas fatais e ofereceu ajuda, mas somente uma família aceitou.
No dia do acidente, a empresa chegou a divulgar que quatro trabalhadores tinham morrido, sem confirmação, o que foi replicado pela imprensa pernambucana erroneamente. O presidente do sindicato, Genival Santos e o presidente da Fetaepe (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais de Pernambuco), Gilvan Antunis, se reuniram com a direção da empresa pedindo a regularização do transporte, bem como ampla assistência às vítimas e aos parentes dos mortos. O presidente da Contar (Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais), Gabriel Bezerra, afirmou que seguirão firmes na defesa da vida e na fiscalização do transporte, bem como nas condições de trabalho na região onde aconteceu o acidente. Disse ainda que já acionou o Ministério Público do Trabalho para retomar as fiscalizações do transporte dos canavieiros.
No distrito de Frexeiras, onde vive a maior parte dos trabalhadores da usina, o clima é de tensão e de apreensão. Muitos não querem falar com medo de retaliação ou para não perder o emprego. Não foi a primeira vez que a Usina União teve problemas trabalhistas. Em 2010, a usina foi denunciada pelo MPF de Pernambuco por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão na Fazenda Bonfim, no município de Primavera (PE).
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2020 2611 0/DGB0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil